Apropriação do Eu

Dizem que é importante ter um pensamento autônomo e autêntico. Ser alguém que não é apenas uma cópia de quase todo mundo por aí, em especial das “tendências da época”. Apesar disso, as pessoas se parecem cada vez mais; e as que tentam “não apenas parecer, mas ser” acabam por formar um outro grupo, ou grupos, igualmente caricato(s) e repleto(s) de um tipo de tendência, que não deixa de ser ramificação e manifestação da moda.

Para transitar entre as pessoas e seus respectivos grupos, é preciso certo grau de “alteridade comportamental”, que seria adaptar-se ao ambiente e codificá-lo, mas sem se tornar parte dele, necessariamente. Isso é complicado, justamente pela necessidade de fazer vista grossa e se rebaixar à linguagem dominante para poder ser bem sucedido na tentativa de convivência sem ficar o tempo todo “com vontade de ir embora”.

Mas isso tudo é muito trivial. Estamos aí, vivendo com ou sem inserção em grupos específicos. Mas o problema é quando há qualquer tipo de desconforto, seja por simplesmente estar presente, seja por alguma situação que motiva o embaraço. Ficar com vergonha ao dizerem algo direcionado a você, por exemplo. Ou piadas grupais focadas em alguém.

Mas como chegar a um grupo qualquer, com o zíper da calça aberto, ser alvo de qualquer apontamento grupal e não se envergonhar? Ou sair tranquilamente na rua com um tênis de cada cor? Não se trata de tentar ser exótico, ou “o” diferente, simplesmente (isso recai inevitavelmente no argumento primeiro desse texto – você estará participando do “grupo dos exóticos”, o que dá na mesma). Trata-se de não alimentar, com um possível embaraço, nenhum tipo de sentimento ou sensação ruim ao ser sabatinado com algo que é seu, inerente à sua vida e modo de agir ou pensar. Na verdade, não haverá embaraço.

Tem uma música que diz: “seja você, mesmo que seja bizarro”. Mas ser você – e se apropriar de si mesmo – vai além disso. Ser autêntico e ter pensamento autônomo é se apropriar do que você realmente é e, muitas vezes, (re)significar sua luta contra as marés das convenções sociais que tanto envilecem as identidades das pessoas. Pensar em você como um ser único, que já valeu o esforço de uma, não deve ser alguém que sofre ou se deprecia apenas para evitar os remoques de comportamento que tentam fazer conosco todos os dias.

Dessa forma, o diferente não é visto como estranho; o engraçado não é percebido como pândego; o inusitado não se torna alvo de depreciações.

Mas existem os dois extremos: o da apropriação cega e o da inserção, igualmente cega, porém mais confortável que a primeira. Mas se apropriar de si também exige destreza ao lidar com todas as idiossincrasias que compõem todo ser humano. E o mais gratificante é crescer após cada momento de auto-conhecimento. Então cuidado com os extremos e aproprie-se de você!

Flashback #2

Parte 2. Memórias inventadas?

por Eduardo Chaves - sexta, 2 novembro 2007, 02:08

(Re)pensando a infância e a escola. Uma das coisas interessantes desse exercício mental é a possibilidade de fazer diversas leituras de um mesmo fato. O que lembro agora foi realmente o que de fato aconteceu? E, ainda, a forma que conto foi realmente a forma como pensei? Assim, percebo uma sucessiva "terceirização", por mim mesmo em cada pensamento novo sobre o velho, que faz com que diversos sentimentos e possibilidades sobre um mesmo evento apareçam.

Estudamos a Zona de Desenvolvimento Proximal, proposta por Vygotsky, em outra disciplina. Lembrei na hora da experiência do cadarço com o Diego na Pré-escola. Esse é um exemplo de como estudar algo que nos remete à nossa própria existência é interessante. Justamente sobre isso que eu queria falar.

Temos uma colega que nos fala sobre amor. Não um amor específico, mas amor de forma geral e [fascinante!] que muitos não estavam acostumados a ouvir. Falar sobre sentimentos como amor ao próximo, respeito e manutenção de valores, assim como minha experiência com o cadarço finalmente entendida pela teoria de Vygotsky, nos remete a pensar o que nos é posto à apreciação de forma a (re)significar nossos próprios atos. Ora, se quando estudamos química no ensino médio conseguíamos apenas relacionar com nossa vida quando nos era dito que poderíamos fazer uma bomba usando apenas cloro e leite ["viu? a química interfere no seu dia-a-dia!"], com as ciências humanas não é bem assim. Falar sobre teorias sociais, psicológicas, filosóficas e etc, é falar sobre nossos atos e condutas como pessoa.

Dessa forma, quando a colega traz o amor como assunto de aula, é como se ela apontasse o dedo na cara de quem não quer pensar em nada disso. "Não! Eu quero continuar a sair por aí, me relacionar de modo - digamos - perigoso, tratar mal as pessoas que me servem - como porteiros, balconistas, etc -, falar alto com minha mãe, ignorar uma série de fatores e, ah! Continuar a viver "sem peso na consciência!"". Afinal, estamos na era do desapego. As pessoas querem viver sem se preocupar muito. No máximo passar em um bom concurso, já tá ótimo. "Aí vem uma menina propor o crescimento pessoal através de auto-conhecimento?! Nada disso! Eu me conheço, sei que fico com peso na consciência, então é melhor nem ouvir o que ela fala!".

Esse caso é parecido quando eu falo sobre minha decisão de ser vegetariano. "Por que você é vegetariano? Carne é tão bom...". Ora, por inúmeras razões eu optei.... "ih...eu não queria ouvir isso tudo....era só falar que vc não come carne pq é fresco...dá trabalho ouvir isso tudo e eu teria que pensar....". Não importa pras pessoas se um ato, aparentemente banal, é fator de degradação brutal do meio-ambiente. Não importa se os animais são sub-julgados por um pensamento especista e cruelmente assassinados. Não importa se essa carne tem hormônios, uréia e outras toxinas que fazem mal ao meu organismo. "Nada disso importa. O que importa é o meu prazer. Eu em primeiro lugar." "Ah, mas eu li na Veja que a carne faz bem...". Faz bem pra quem?

Mas o que isso tem a ver com as memórias inventadas e educação? Simples, pensar o amor e sua relação com o que você come é difícil. Esses aspectos usados como exemplo são nos dados de forma bem pronta. Não é preciso pensar ou repensar nada em relação a isso, já tá tudo "funcionando muito bem assim". Quero dizer que nossas lembranças só são realmente condizentes com a verdade quando fazemos esse exercício de repensar nossa relação com a realidade. Amor não é banalizar as relações afetivas. Animais não são comida e a natureza não é recurso. Assim como a escola não é um espaço para enfiarem na nossa cabeça algo que nem sabemos ao certo o que é. Repensar aspectos mais próximos de nossa vida atual é fundamental para repensar certas práticas que sempre vivenciamos e que, bem ou mal, estaremos ajudando a reproduzir no futuro. E um agravante, como pedagogos, estamos mais próximo de mudar uma realidade ruim ou de reforçar e potencializar aspectos que deveriam ter sido banidos já na nossa época escolar.

E sim, as memórias são reinventadas a cada segundo. No ensino médio era legal assinar chamada pro colega. E por que mesmo (re)pensando nosso modo de ver a educação do ponto de vista do pedagogo, esse tipo de prática ainda se mantém?

Agora, depois de toda essa reflexão, quero sim que as memórias sejam preservadas. Mas, porém, contudo, todavia e entretanto, quero também que elas sejam reinventadas a cada passo de crescimento pessoal.

Flashback #1

Hoje passei em frente à minha primeira escola. E de pensar que era lá que eu brincava, corria, me escondia, ria, machucava o joelho... Tudo isso em 20 minutos de recreio! Hoje em dia 20 minutos mal dá para chegar a tempo na aula seguinte...

Com essa motivação, relembrar o(s) tempo(s), resolvi postar a primeira parte de um texto que escrevi para uma disciplina de Filosofia que fiz semestre passado. Adorei o exercício e recomendo a todos!

Parte 1. Memórias vividas?

por Eduardo Chaves - terça, 30 outubro 2007, 17:02

Pensar meus primeiros anos escolares é muito interessante. Digo 'pensar' pois isso é algo que apenas faço menção quando lembro de alguma coisa bem específica desse período, como quando me perguntam como fiz essa cicatriz no dedo indicador. Agora, recorro às memórias vividas para ilustrar meus primeiros anos na "Escuela Rural Juarez", nome de fundação da atual "Escola Classe Granja do Torto".

Meu primeiro dia de aula foi estranho. Eu estava super empolgado para começar, mas olhava pros lados e via coleguinhas passando mal de tanto chorar pedindo pela mãe. Até pensei "nossa, a mãe deles é tão legal que eles não querem largá-las um único minuto sequer!". Até pensei, por um instante, que minha mãe poderia não ser tão legal como eu pensava! Mas vi que não era nada disso...

Ainda me lembro a roupa que usava: um coletinho verde c/ cinza, uma bermuda azul marinho e o tênis do Rambo (a faixa vermelha para amarrar na testa minha mãe não deixou eu levar pra escola)!

Estava eu, então, começando as aulas na única turma de Jardim da escola. A professora Nilma tinha fama de ser muito malvada. Minha tia chegou até a atrasar a entrada da minha prima na escola só para esperar um outro primo ter idade escolar para acompanhá-la na escola. Mas eu não tinha medo dela. Talvez pelo fato de meus pais me passarem muita segurança, ao contrário de minha tia para com meus primos... Mas acabou que ela pediu licença pouco antes de começarem as aulas, ai entrou a professora Vera. Ela era ótima! Todos ficaram apaixonados por ela! (nada sexual ainda, para deixar claro! ;)

Como era uma escola rural, 95% das crianças eram de camadas populares. Ou da "alta classe média-baixa", como costumo brincar. Mas uma coisa que eu não entendia era o porquê de mesmo tendo a mesma condição financeira dos meus colegas, apenas eu tinha o material escolar completo. Naquela época eu não sabia que a carência material não é determinante para a carência afetiva e emocional...

Pois bem, passei para o Pré. A professora malvada voltou de licença e assumiu a minha turma. Ela gritava muito com todo mundo, mas pelo fato de meu pai ou minha mãe sempre me buscar na escola, ir a todas as reuniões e etc, ela era legal comigo. Lembro que correu tudo bem durante o ano e foi nessa época que vi o Diego amarrando os cadarços e finalmente eu aprendi com fazê-lo também! Eu já tinha 6 anos e meu pai tinha que amarrá-los para mim todos os dias, isso era uma vergonha, pois até os meninos do Jardim já sabiam, e eu não.

Cheguei à primeira série como um dos poucos que sabia "ler direitinho". No primeiro dia de aula, na expectativa de ter aula novamente com a professora Vera, soubemos que ela tinha sofrido um acidente de carro e havia morrido. Assim como no dia que meu avô morreu, 3 meses antes, o dia ficou totalmente cinza. A perda realmente era algo novo pra mim, eu não sabia ao certo que sentimentos estavam dentro de mim... Foi difícil esse começo de ano, pois na escola os funcionários, alunos, direção e professores andavam cabisbaixos; em minha casa o clima era pesado devido à morte de meu avô... Mas meus pais tentavam me poupar dessa dor toda, e eu percebi que isso não foi legal em outros momentos da minha vida, pois precisei encarar perdas e foi bem mais difícil do que eu esperava.

Seguiu-se as aulas com a professora Lucinha na 1ª série, a profa Ana na 2ª, a profa. Cola - de Colandy - na 3ª e, denovo, a malvada Nilma na 4ª série. Nessa e´poca, a professora estava mais megera do que de costume, e vários alunos passaram muito mal durante as aulas. Terror total! Principalmente na hora de ir ao quadro e responder questões de tabuada. Lembro que uma vez passei tão mal que desmaiei no meio da aula, bati até a cabeça no chão. Fui pra casa e ficou tudo bem. No dia seguinte eu voltei pra escola e a Nilma disse: "Ou vocês decoram essa tabuada [a tabuada de 7, no caso], ou pode capotar aqui na minha frente que eu não vou nem socorrer!", fazendo referência ao meu desmaio no dia anterior. Percebi tempos depois que essa atitude da professora foi tremendamente repudiável.

Outra coisa que me lembro dessa época na escola foi a primeira paixão. Foi na segunda série, com 8 anos. Eu estava sentado no banco principal do pátio, conversando sobre a escolinha de futebol com o Fabinho e o Cocão. Até que vejo, subindo a rampa, a coisa mais linda que eu já tinha visto. Ela era alta, cabelos cacheados e já usava perfume, olha que coisa! E além do mais, ela era MUITO mais velha, tinha DEZ anos! Fiquei "a fim" dela até o fim da quarta-série. Passei por todas as fases de meninas populares [nem pela Letícia - que já usava sutiã - eu me apaixonei!]. Me mantive firme em meu amor por 3 anos... Um fato interessante é que fiquei sabendo esses dias que a Cícera (esse era o nome dela) tinha casado e tava com uns 7 filhos "lá pras banda do Ceará". A vida e seus caminhos!

Assim, penso que educar é algo muito difícil. As professoras tinham boa vontade [nem tanto a malvada], mas por algum motivo eu não encontro meus colegas mais por aí. Na UnB, não entrou ninguém. Esse processo educacional e todas as ramificações que aparecem no caminho podem mudar completamente a trajetória de alguém. Vi que mesmo garantindo o acesso a todos à escola, não há oportunidade para todos, pois não acredito que eu me dediquei mais que meus colegas para chegar aonde cheguei. Esse caminho onde ocorrem as saídas de rumo também é objeto de estudo da pedagogia. Entender os processos societários que abrem brechas para que muitos não cheguem até o final da estrada é com certeza um grande desafio para a sociedade, em especial para mim como futuro pedagogo.


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O volume 23, número 4, de outubro/dezembro de 2007 da Revista Psicologia: Teoria e Pesquisa está online desde a semana passada (eu acho). Essa revista é uma das mais importantes da América Latina em sua área de atuação e fico muito orgulhoso de ter meu segundo texto publicado em sequência (outro texto saiu no número 3). Vou colocar o texto aqui e o link abaixo para quem quiser conhecer mais a Revista e o Scielo.

Abraços.

"mas ele diz que me ama...": cegueira relacional e violência conjugal
Fabrício Guimarães; Eduardo Chaves & Sérgio Maciel.

Ciclo de Violência na Relação

O padrão é mais ou menos esse: beijo! Tapa! Beijo! Tapa! Beijo! Tapa! Para cada tapa, ganhamos um beijo, e para cada beijo ganhamos um tapa. Em qual deles escolhemos acreditar? No beijo, é claro. É o que nos mantém ali (Penfold, 2006, p. viii-ix).

Pelfond (2006) relata em sua obra a suas experiências conjugais que se perpassaram ao longo de 10 anos. O livro é protagonizado por Rosalind (Ros) – 35 anos, empresária – e Brian – viúvo, pai de quatro filhos. A narrativa mostra como Ros passou de uma mulher forte e bem-sucedida a esposa violentada e maltratada. Trata-se de um livro ilustrado e de fácil compreensão, fatores diferenciais da obra em relação às outras sobre o tema. Conta de forma bem didática, detalhes da construção e manutenção da dinâmica violenta. Segundo o site oficial (www.friends-of-rosalind.com), o livro foi lançado originalmente no Canadá e traduzido para 10 paises, inclusive o Brasil.

O objetivo deste trabalho situa-se em promover uma discussão teórica a respeito do ciclo de violência conjugal e das crenças compartilhadas que contribuem para a manutenção do relacionamento violento dos personagens do livro, a partir da literatura especializada da área e da experiência dos autores deste trabalho em atendimentos psicossociais no âmbito da Justiça do Distrito Federal a casais que vivenciam situação semelhante ao do casal protagonista.

A discussão se baseia na teoria do ciclo de violência (Walker, 1979, citada por Angelim, 2004), e propõe o conhecimento de uma relação violenta a partir de uma perspectiva sistêmica e dinâmica. Walker defende a existência de três fases: Construção da Tensão: começam os incidentes menores, uma tendência a considerar os fatos como se estivessem sob controle e uma aceitação por meio de explicações racionalizadas. Tensão Máxima: ocorre o descontrole da situação e as agressões são levadas ao extremo. Há uma reconfiguração da dinâmica relacional, podendo surgir separação, intervenção de terceiros ou manutenção da relação violenta. Lua de Mel: ocorre uma reestruturação do relacionamento. O agressor relata desejo de mudança, promessa de que não ocorrerá mais violência e restabelece a relação conjugal. Com o tempo, devido à dinâmica e ao desgaste relacional, tende-se a iniciar um novo ciclo.

Penfold (2006) descreve o processo de vários ciclos na dinâmica do casal. A violência se instalou sutilmente e atingiu todos os níveis e formas. Os momentos da fase de Lua de Mel ficaram mais curtos, cedendo lugar às fases de Construção da Tensão e Violência Máxima. A Lei 11.340/06, conhecida como "Lei Maria da Penha", define cinco formas principais de violência contra a mulher: física; psicológica, sexual, patrimonial e moral (Brasil, 2006). Guimarães, Tusi e Rangel (2006) relatam que a violência contra crianças e adolescentes abrange ameaças, negligência, chantagens, humilhações, espancamentos e abuso sexual. A relação descrita na obra propiciou todos esses tipos de violência e mostrou como suas conseqüências deletérias atingiram todos os aspectos da vida de Ros e das crianças.

Penfold (2006) é brilhante ao mostrar como a participação da família, amigos e ajuda profissional foram fundamentais na luta da protagonista contra o agressor e, de certa forma, contra si mesma. Sendo assim, tudo conclama para a necessidade de intervenção em rede e o empoderamento do grupo familiar, em especial da mulher (Silva, 2006).

Crenças anestésicas

Por que Brian se comportava daquele jeito? Quase morri tentando descobrir. Por que não fui embora? Essa pergunta é mais importante. Eu acreditava em dar a outra face... que ele me amava... que ele iria mudar... que eu podia proteger seus filhos... que meu amor o tornaria melhor... usei incontáveis desculpas para racionalizar minha insistência no relacionamento, porque me recusava a encarar a verdade (Penfold, 2006, p. ix).

Para entender a perpetuação do ciclo de violência, Ravazzola (1998) defende que ocorre uma verdadeira anestesia ou "duplo cego". Nesse processo, a pessoa tira do seu campo de consciência uma parte da experiência e fica incapaz de sequer perceber essa falta, o que, por um lado assegura sua sobrevivência, mas por outro, a mantém presa ao ciclo relacional abusivo.

O agressor se sente vítima do comportamento da mulher ou dos filhos; teme a independência destes; não percebe o sentimento dos outros e nem consegue nomear sua insegurança, e por isso tem que controlar a ação destes e evitar a intervenção de terceiros na dinâmica de sua família. A vítima se sente inferior e destituída de poder sobre sua própria vida; acredita que deve cuidar dos outros, em detrimento de si mesma; possui baixa auto-estima, desconhecimento de seus recursos pessoais e seus direitos; acredita que há algo errado em si mesma e alimenta sentimento de culpa pela violência que sofre. Cabe ressaltar que a experiência em atendimento psicossocial dos autores corrobora a tese de que tais crenças são compartilhadas por agressores, vítimas e demais atores do contexto (Ravazzola, 1998).

No decorrer do livro, essas crenças anestésicas se aperfeiçoam na medida em que a violência aumenta. Ros iniciou com uma leve confusão no primeiro ciclo até ela verificar que "não sobrou nada de mim" (Penfold, 2006, p.169). Essas crenças corroboram a principal: "mas ele diz que me ama", que dá título ao livro. E favorecem que Ros e Brian não vejam que não vêem a relação violenta e suas conseqüências, daí o termo "duplo cego" (Ravazzola, 1998).

Por isso, a ajuda de terceiros e/ou a intervenção psicossocial deve "promover junto à família uma reflexão sobre o contexto abusivo, re-significando o sintoma da violência" (Guimarães & cols. 2006, p. 297) e retomar o mal-estar e o medo na vítima devido à sua situação e a necessidade de mudança (Ravazzola, 1998). Entretanto, nem todos os casais em situação de violência conseguem sair ou reestruturar a relação. Muitos precisam da intervenção da Justiça. Em outros casos, as mulheres se submetem a essa situação ad infinitum ou ocorre um fim trágico, em que as vítimas são assassinadas pelos seus cônjuges ou ex-cônjuges.

comecei a ter esperanças de que meus desenhos pudessem ajudar os outros – nem que seja uma pessoa só – a perceber os danos terríveis e duradouros que tal ambiente causa em uma família (...) embora os desenhos sejam meus, infelizmente o padrão de abuso que eles representam são muito comuns (...) Tenho esperanças de que meus desenhos ajudem homens e mulheres a identificar os sinais de alerta que indicam abuso (Penfold, 2006, p. xi).

Pelos aspectos descritos acima, entende-se que a intervenção junto a casais em situações de violência deve contemplar um olhar amplo acerca das crenças e discursos compartilhados entre os atores envolvidos nessa questão, os quais contribuem para a manutenção do padrão relacional abusivo, impedindo que as pessoas integrem sentimentos e ações que lhes permitam elaborar um pedido ajuda.

Ademais, o entendimento da violência conjugal como um processo cíclico, relacional e progressivo, ajuda a re-significar o contexto de intervenção e propor novas formas de intervenção junto a essa clientela.

Fonte: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-37722007000400015

Vida

Dizem que não é sempre que o dia do seu aniversário começa com sol e chuva. Hoje fez sol. Hoje choveu. Mas meu dia começou à meia-noite (o dia seguinte só começa depois que durmo e acordo, não necessariamente à meia-noite), com telefonemas e apitos de celular. Desejos e sinceras palavras de quem me gostam. Voltei a dormir. Sonhei com quem já se foi e acordei com cantos de papagaios (que normalmente só cantam ao final da tarde, mas hoje me surpreenderam pela manhã).

Banho, mais palavras doces, um pêssego, um aconchegante e gostoso abraço e beijo de mamãe e papai. Frio na barriga em pensar que ficar mais velho é algo tão irrelevante frente ao que é celebrar a vida, celebrar os amigos e ter a chance que o Pai me dá, por mais um ano, de ser um homem melhor.

Dezoitos de março sempre foram metódicos, com presentes, bolo e parabéns. Sempre em casa. O elo de celebração sempre foi Tia Nice, que enchia a casa de pessoas e, de fato, significava esse dia como o dia de comemorar a vida, apreciar a família e amigos e não apenas abrir pacotes. Dois mil e sete foi a última vez que ela pôde fazê-lo em vida. E eu não tenho palavras para descrever o tanto que aprendi com ela sobre a vida, perseverança e amor.

A partir de hoje, dezoitos de março serão assim, cheios de alegria, risadas, lágrimas de felicidade e, acima de tudo, celebração da vida, do amor, das amizades e oportunidades que Deus me dá toda manhã de levantar e ser feliz – depois de hoje, mais ainda – e saber que sou a alegria de muita gente.

Obrigado amigos, mamãe, papai e família. E obrigado meu Pai.

Esperança

Hoje não há muita esperança nas coisas. Tudo é como é “porque é assim que tem que ser”. Coisas mais pontuais, como alguma enfermidade grave ou terminal e demais perdas iminentes são facilmente aceitas – e nem sempre confortadas ao coração – de forma mais consciente.

O problema jaz em situações ou coisas que não temos controle, como nos casos acima, mas que podem ou não ser diferentes do que os olhos e o coração vêem. Esse “ou não” que é o responsável por inúmeros sentimentos que atacam o pensamento justo e racional e fere como um punhal afiado esse nosso órgão que insiste em querer filtrar tudo que sentimos – o coração. Ah, o coração....

Em tempos de desamores, muita gente consegue atingir um estado quase desconectado da realidade para conseguir viver sem sofrer. Ou sofrer o mínimo possível. É dessa forma que amores efêmeros e paixões ligeiras estão cada vez mais presentes na vida das pessoas. Apenas adia-se os lutos, as dores, os sofrimentos e, o mais importante, o crescimento pessoal através do auto-conhecimento e reflexão sobre tudo que vivemos a cada dia, cada hora.

Mas quem se propõe a não viver nas efemeridades sofre outro tipo de dor: a dor da esperança. Não aquela esperança em dias melhores (muito genérico) ou que as coisas vão se acertar com o tempo... não. A esperança de que ser divergente dos amores efêmeros é inerente ao sofrer e esperar pelos outros, na expectativa de que essa postura ajude-os de alguma maneira.

Logicamente, nossas decisões não afetam apenas a nós mesmos. De modo geral, todos optam ora por não tomar as decisões – afinal, a dor da esperança de outrem vai fazer com que eles tomem a decisão por mim – ora por tomar a decisão precipitada, errada e infundada, que nada mais é que prejuízo emocional e afetivo para si mesmo - embora se ache que não em um primeiro momento - e para as pessoas ao nosso redor.

Assim, uma vez se colocando como alguém diferenciado nessa perspectiva toda de desamor, você vai sofrer antes, durante e depois, tanto pela sua parcela de responsabilidade, quanto pela responsabilidade do outro, já que é fácil perceber quando se acha alguém em que se pode jogar tudo para cima, até pensar e refletir por nós.

Porém, todo esse processo nos dá a certeza que estamos a construir algo sólido, que nenhuma tormenta irá derrubar. Algo que vai além de bem-estar momentâneo e tópico, que não atinge o coração. Ter esperança de ver alguém voltar ao que se tinha e era bom, verdadeiro e sincero, mesmo que esse retorno não seja à nossa fortaleza. Esperança de que ao pegar para si os erros e equívocos de outrem, eles irão rever atos e palavras e perceber o que realmente quer dizer amar e querer bem.

Mas a caminhada não pára. Como diria o Pregador Luo:
“Haja o que houver não desista
Seu bom momento pode estar dançando do seu lado na pista
Então dance com a vida, pra que seu bom momento exista.”

E apesar das tormentas, as dores da esperança nos fazem...
“Ter [a] certeza que é da maneira certa que está se envelhecendo
Seja qual for o momento, lembre de um bom tempo...
Cante a canção, agora mesmo pode ser um tempo bom!”

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