Flashback #2

Parte 2. Memórias inventadas?

por Eduardo Chaves - sexta, 2 novembro 2007, 02:08

(Re)pensando a infância e a escola. Uma das coisas interessantes desse exercício mental é a possibilidade de fazer diversas leituras de um mesmo fato. O que lembro agora foi realmente o que de fato aconteceu? E, ainda, a forma que conto foi realmente a forma como pensei? Assim, percebo uma sucessiva "terceirização", por mim mesmo em cada pensamento novo sobre o velho, que faz com que diversos sentimentos e possibilidades sobre um mesmo evento apareçam.

Estudamos a Zona de Desenvolvimento Proximal, proposta por Vygotsky, em outra disciplina. Lembrei na hora da experiência do cadarço com o Diego na Pré-escola. Esse é um exemplo de como estudar algo que nos remete à nossa própria existência é interessante. Justamente sobre isso que eu queria falar.

Temos uma colega que nos fala sobre amor. Não um amor específico, mas amor de forma geral e [fascinante!] que muitos não estavam acostumados a ouvir. Falar sobre sentimentos como amor ao próximo, respeito e manutenção de valores, assim como minha experiência com o cadarço finalmente entendida pela teoria de Vygotsky, nos remete a pensar o que nos é posto à apreciação de forma a (re)significar nossos próprios atos. Ora, se quando estudamos química no ensino médio conseguíamos apenas relacionar com nossa vida quando nos era dito que poderíamos fazer uma bomba usando apenas cloro e leite ["viu? a química interfere no seu dia-a-dia!"], com as ciências humanas não é bem assim. Falar sobre teorias sociais, psicológicas, filosóficas e etc, é falar sobre nossos atos e condutas como pessoa.

Dessa forma, quando a colega traz o amor como assunto de aula, é como se ela apontasse o dedo na cara de quem não quer pensar em nada disso. "Não! Eu quero continuar a sair por aí, me relacionar de modo - digamos - perigoso, tratar mal as pessoas que me servem - como porteiros, balconistas, etc -, falar alto com minha mãe, ignorar uma série de fatores e, ah! Continuar a viver "sem peso na consciência!"". Afinal, estamos na era do desapego. As pessoas querem viver sem se preocupar muito. No máximo passar em um bom concurso, já tá ótimo. "Aí vem uma menina propor o crescimento pessoal através de auto-conhecimento?! Nada disso! Eu me conheço, sei que fico com peso na consciência, então é melhor nem ouvir o que ela fala!".

Esse caso é parecido quando eu falo sobre minha decisão de ser vegetariano. "Por que você é vegetariano? Carne é tão bom...". Ora, por inúmeras razões eu optei.... "ih...eu não queria ouvir isso tudo....era só falar que vc não come carne pq é fresco...dá trabalho ouvir isso tudo e eu teria que pensar....". Não importa pras pessoas se um ato, aparentemente banal, é fator de degradação brutal do meio-ambiente. Não importa se os animais são sub-julgados por um pensamento especista e cruelmente assassinados. Não importa se essa carne tem hormônios, uréia e outras toxinas que fazem mal ao meu organismo. "Nada disso importa. O que importa é o meu prazer. Eu em primeiro lugar." "Ah, mas eu li na Veja que a carne faz bem...". Faz bem pra quem?

Mas o que isso tem a ver com as memórias inventadas e educação? Simples, pensar o amor e sua relação com o que você come é difícil. Esses aspectos usados como exemplo são nos dados de forma bem pronta. Não é preciso pensar ou repensar nada em relação a isso, já tá tudo "funcionando muito bem assim". Quero dizer que nossas lembranças só são realmente condizentes com a verdade quando fazemos esse exercício de repensar nossa relação com a realidade. Amor não é banalizar as relações afetivas. Animais não são comida e a natureza não é recurso. Assim como a escola não é um espaço para enfiarem na nossa cabeça algo que nem sabemos ao certo o que é. Repensar aspectos mais próximos de nossa vida atual é fundamental para repensar certas práticas que sempre vivenciamos e que, bem ou mal, estaremos ajudando a reproduzir no futuro. E um agravante, como pedagogos, estamos mais próximo de mudar uma realidade ruim ou de reforçar e potencializar aspectos que deveriam ter sido banidos já na nossa época escolar.

E sim, as memórias são reinventadas a cada segundo. No ensino médio era legal assinar chamada pro colega. E por que mesmo (re)pensando nosso modo de ver a educação do ponto de vista do pedagogo, esse tipo de prática ainda se mantém?

Agora, depois de toda essa reflexão, quero sim que as memórias sejam preservadas. Mas, porém, contudo, todavia e entretanto, quero também que elas sejam reinventadas a cada passo de crescimento pessoal.

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